A MENINA QUE MORAVA EM MIM-2018: Livro de Poesias onde na primeira parte foram resgatadas poesias escritas na adolescência, e na segunda parte poesias da maturidade.
Era 1969, no Brasil chegava a onda tardia da paz e amor, a ditadura fazia suas vítimas, Macunaíma nascia nas telas, Jorge Amado abria sua Tenda dos milagres, mas nada disso afetava aquele casebre de barro castigado por uma tempestade incomum, onde não se ouvia choro de recém-nascido, apesar da insistência da parteira no dia oito de Abril.
Nasci sufocada pelo cordão umbilical que me impedia de respirar. Sobrevivi à custo a essa pequena batalha travada no anonimato e na penumbra me criei. Criança comum do interior.
Na adolescência tive a estranha vontade de anotar minhas impressões sobre meu pequeno mundo, anotações que se transformaram em inúmeras folhas manuscritas ou datilografadas.
Essas palavras rabiscadas eram pequenas frestas de luz que davam sentido aos meus dias.
E assim, diversos rascunhos foram confeccionados e depositados em fundos de gavetas.
Agora, tendo se passado em torno de 30 anos, resolvi libertá-los.
E são essas impressões que compõem a primeira parte desse livro.
Na segunda parte são minhas impressões atuais que audaciosamente descrevo como lucidez relativa.
Confesso que não foi fácil libertar esses seres alados, anjos e monstros, portanto, peço indulgência com a menina acanhada e com a mulher possuidora de loucura relativa que os pariu.
Mas por que desarquivar essas palavras empoeiradas, me desnudando?
Como diz uma das minhas filosofas favoritas, Dani Bessa, o importante é o que te move.
E o que me move?
O que me move é o mesmo desespero que senti ao nascer.
Estamos mergulhados na essência de Deus e sinto ainda mais a necessidade de retirar o cordão umbilical para respirar.
E afinal, não é exatamente esse o desejo de todos? Respirar?
A MENINA QUE MORAVA EM MIM
A menina que morava em mim
Sorria com mais frequência,
Gritava impropérios,
Soluçava nos quartos escuros.
Indignava-se com injustiças,
Mentalmente organizava passeatas,
Tremulando revoltas bandeiras imaginárias,
Embaladas ao vento da justiça utópica.
A menina que morava em mim,
Era cordial e ácida,
Visualizava projetos grandiosos,
Almejava exterminar desigualdades,
Empunhando pensamentos e palavras.
A menina que morava em mim,
Foi envelhecendo paulatinamente,
Se aderindo à cadeira de balanço,
Balançando seus ideais,
Na inércia da vida.
Morreu desencantada,
Mas não desacompanhada.
Com ela foram sepultadas
Meninas e meninos,
Que sonharam e se perderam,
No silêncio das atitudes.
E sobre seus túmulos descansam flores-tempo,
Murchas e despetaladas.
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